A história da representação na arquitetura passou por inúmeras transformações ao longo dos séculos. Sua relação com o objeto construído vai muito além da mera e simples reprodução de sua imagem objetiva, atuando principalmente, como uma ferramenta de expressão e crítica que, tem influenciado diretamente a forma como percebemos, nos relacionamos e até mesmo, como concebemos e construímos nossos edifícios e cidades.
Na arquitetura, qualquer tipo de representação — esteja ela relacionada ao objeto final edificado ou à intenção de construí-lo —, tem a ver com a necessidade humana de revelar ou traduzir determinadas qualidades do espaço. Embora este ofício pareça acompanhar e evoluir de acordo com determinadas correntes históricas e movimentos artísticos, cada um de nós percebe o espaço à sua maneira, a partir de um ponto de vista único permeado por suas experiências e sua posição específica no mundo. Com isso, toda e qualquer forma de representação da arquitetura nasce inevitavelmente de uma perspectiva individual e portanto, sempre parcial.
Desde a Renascença, essa relação entre objeto-imagem a qual chamamos de representação, passou por profundas transformações que, embora possam parecer sutis e graduais, revela não apenas a evolução do conhecimento humano e de suas técnicas projetuais dedicadas à arquitetura e construção, mas principalmente, opera como uma testemunha do desenvolvimento tecnológico ao longo do tempo. Inegavelmente arraigada à tradição filosófica ocidental, a representação da arquitetura progrediu paralelamente aos desdobramentos no campo da arte, nutrindo-se de seus conceitos e regras como o posicionamento da luz e questões relativas à profundidade e sobretudo, de perspectiva.
Daniele Barbaro oferece uma leitura fascinante sobre a chamada terceira ideia de Vitruvio, ou sciografia. Barbaro acreditava que a tradução do termo sciografia para perspectiva, era o resultado de uma interpretação errônea da própria expressão como relacionada à cenografia, cuja aplicação naquele contexto era apenas empregada à construção de cenários. Portanto, ele conclui, a perspectiva era uma ferramenta utilizada ou recomendada apenas para pintores e cenógrafos. (...) Foi somente no século XVII que a perspectiva finalmente foi incorporada à arquitetura, enfatizando a noção de que o arquiteto é aquela figura capaz de projetar e conceber perspectivas sobre o futuro.
- Alberto Pérez Gómez. “The Revelation of Order: Perspective and Architectural Representation,” (tradução livre do autor).
A partir do século XVII, a arquitetura começou então a ser vista, ou representada, através das lentes da geometria euclidiana, posicionando o observador como uma figura determinante para a apreensão e representação do espaço: concebendo a arquitetura com um cenário não mais apenas para ser visto com os olhos, mas para ser experimentado através dos nossos sentidos.
Entretanto, com o passar do tempo e as sucessivas revoluções tecnológicas dos últimos séculos, a maneira como nos relacionamos com o espaço e com a arquitetura passou por uma profunda transformação, assim como a forma como percebemos, construimos e ensinamos arquitetura. A medida que nos aproximamos aos dias de hoje, ferramentas de representação mais modernas e em maior número passaram a ser atualizadas ou substituídas a uma velocidade avassaladora, provocando uma ruptura dramática entre gerações e gerações de arquitetos. Desde os primeiros anos de formação, os alunos aprendem a reconhecer a arquitetura através de suas representações, sejam elas fotografias, desenhos, esquemas, imagens ou modelos. Portanto, esses elementos ou mecanismos desempenham um papel determinante em sua formação, facilitando a construção da sua própria linguagem de comunicação ou ferramenta de expressão e crítica, a qual lhe permitirá comunicar com precisão as suas principais intenções ou projetar suas perspectivas sobre o futuro.
É claro que a representação por si só não é arquitetura. É uma imagem, um livro. No entanto, é quase impossível olhar para uma foto do Pavilhão Barcelona, na capa de um livro de arquitetura, e dizer que aquilo que estamos vendo não é arquitetura. Como no famoso quadro de Magritte, “Ceci n'est pas une pipe.” É difícil de conceber que o que estamos vendo é, de fato, uma representação e não o objeto em si.
- Kester Rattenbury. “This is Not Architecture: Media Constructions,” (tradução livre do autor).
Apesar de que a história da representação hiper-realista da arquitetura através de softwares de modelagem e renderização seja relativamente recente, não é nada nova a tentativa de ludibriar o observador e fazê-lo acreditar que aquilo que vê é de fato, arquitetura. Ao longo das últimas décadas, o domínio das ferramentas digitais de representação se tornou um elemento imprescindível no currículo de um arquiteto, passando a ser o centro das atenções e o principal foco de debate e crítica – muitas vezes até mais importante que os seus próprios referentes. Embora possamos concordar que imagens hiper-realistas sirvam majoritariamente para divulgar e vender projetos ou participar e vencer concursos, ferramentas digitais de representação estão ganhando cada vez mais importância na forma de se conceber, construir e ensinar arquitetura. Neste último caso, é lamentável a urgência imposta sobre os alunos para que os mesmos aprendam a renderizar seus projetos antes mesmo de saber concebê-los, quando a prioridade deveria ser ensiná-los a enxergar com seus próprios olhos, pois a educação deve, acima de tudo, permitir que sejamos capazes de construir a nossa própria imagem de mundo.
O problema não está no hiper-realismo em si como uma estratégia de comunicação. O dilema surge quando essa hiper-realidade se sobrepõe a própria realidade. Quando passamos a enxergar a arquitetura apenas como o oficio da produção de imagens, nos afastamos da verdadeira essência da própria arquitetura — porque nos concentramos mais na qualidade da imagem do que nas virtudes dos espaços que projetamos. A representação deve ser uma ferramenta que nos ajude a melhor comunicar as nossas ideias, sem no entanto subjugar ou minar o papel do próprio conceito em si no desenvolvimento de um projeto.
- Emilio Canek Fernández. Coordenador do Colégio Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UNAM (CALA)
É inegável o benefício das ferramentas digitais de representação para a disciplina e o ofício da arquitetural. Ainda assim, é curioso perceber que as novas gerações de arquitetos estão muito longe de se tornarem reféns destes recursos, apropriando-se de distintas formas de representação, as vezes mais arcaicas, desenvolvendo um olhar que se aproxima mais do cinema e das artes do que da realidade virtual. Isso nos leva mais uma vez a recorrer à Daniele Barbaro, quem afirma que a construção da imagem da arquitetura complementa e inspira também outras disciplinas, levando a própria arquitetura a transcender seus próprios limites. Conforme expresso em vários artigos publicados no ArchDaily sobre representação pós-digital — que está ganhando cada vez mais força nas novas gerações de arquitetos — esses mecanismos ou ferramentas estão abrindo um novo caminho para explorarmos novas possibilidades em nossos processos de projeto, afastando-se da realidade mas, no entanto, sem comprometê-la.
É imprescindível entendermos que o projeto de arquitetura, na verdade, não é um processo meramente redutivo e que, ao educar as nossas futuras gerações de arquitetos, é preciso contemplar perspectivas mais abrangentes, não apenas de representação mas uma visão de mundo que os forneça diretrizes para que estes possam ser capazes de dar respostas às mais diversas realidades, mantendo um compromisso ético que deste sempre, é parte integral da formação humana de um arquiteto. — Alberto Pérez Gómez. “De la educación en arquitectura.” Universidad Iberoamericana (pp.19)
Alguns arquitetos, como a mexicana Tatiana Bilbao, encontraram um ponto de equilíbrio entre as possibilidades infinitas da imagem e as limitações irrevogáveis impostas pela realidade, conforme ela mesma explica em entrevista sobre o seu projeto do Aquário em Mazatlán: “Cada projeto demanda um tipo de representação específica. Para esse projeto, trabalhamos com colagens para dar voz ao conceito de ruína que havíamos mencionado, um método que encontramos para melhor comunicar a sensação de espaço que estávamos propondo. É claro que tivemos que entregar imagens renderizadas do projeto para o cliente, mas na realidade elas praticamente não influenciam nosso processo criativo e por isso, procuramos não utilizá-las para não limitar a própria ideia ou a nossa imaginação. Ao invés disso, quando trabalhamos com colagens, a nossa imaginação se expande de forma a complementar tudo aquilo que não está dado, e portanto, é fundamental para o nosso processo de projeto, é aquilo que mais funciona para todas nós.”
Ainda que imagens hiper-realistas sejam essenciais para fins comerciais, ao preservar nossos processos de projeto do hiper-realismo platônico de suas formas e texturas podemos contribuir para que, efetivamente, a representação da arquitetura se transforme em uma ferramenta de projeto capaz de operar uma mudança significativa na maneira como percebemos e concebemos nossos edifícios e cidades, instrumentos que revelem uma visão de mundo diferente, permeada por uma sensibilidade e capacidade de abstração, evidenciando que a arquitetura não se completa no reflexo de sua imagem, mas que se constrói e reconstrói através do seu uso e apropriação.